Diário da Austrália

Após alguns meses de perrengue para recomeçar a vida do outro lado do mundo, finalmente algumas coisas começaram a dar certo (outras nem tanto). Porém, no geral a experiência está valendo muito e posso dizer que a minha estadia até agora tem sido produtiva.

Meu primeiro objetivo finalmente foi alcançado. Consegui zerar meus custos aqui e ainda guardar dinheiro suficiente para me bancar por dois meses sem trabalhar (caso seja necessário).  Só que teve seu preço.

Há um trabalho muito popular por aqui que se chama “functions”. Basicamente é trabalhar em grandes eventos ou festas de empresa fazendo as mais diversas funções (como garçom, bartender,  auxiliar de cozinha, etc).  O valor pela hora de trabalho fica em torno do R$ 75,00. Dois dias que você trabalha nisso, já consegue pagar o custo da semana, o que entra depois é lucro. Além da grana razoável, é possível conhecer muita gente e treinar o inglês. É legal para um trampo temporário.

Bom, comecei a pegar uns 3 turnos desse trabalho na semana e já estava achando que era o craque e sabia tudo.

Na metade de uma festa de banco, eu estava carregando uma bandeja cheia de cerveja, quando um dos garçons me cutucou para mostrar uma garota. Quando fui virar pra olhar, as cinco cervejas tombaram e fizeram uma cascata de Pale Ale em mim. Duas tombaram no chão. Fiquei cego de vergonha e a única coisa que consegui pensar foi em sair correndo até cozinha para me limpar. Como não tinha roupa extra, tive que me secar e ficar melado (e fedendo) por mais três horas.

Dois dias depois algo parecido ocorreu. Era uma festa de formatura, já estavam todos (os convidados) bêbados e a nossa função era distribuir água pra galera ficar de boa. Já estava no fim e essa família que parecia do desenho “Family Guy” fez uma pilha de bolsas em frente da mesa, como estava escuro eu não as vi, tropecei nelas e as duas garrafas d´água fizeram outra cascata. Dessa vez dentro das bolsas. Devo ter ficado roxo, alguns garçons me ajudaram, a família não ficou muito feliz e eu ganhei o apelido de Cachoeira entre meus amigos.

Porém, nem tudo foi desastre. Em um dos trabalhos nos colocaram para atender as salas VIP´s dos camarotes do Jockey de Sydney. Nesse lugar a bebida e comida é a vontade. E tudo é da melhor qualidade. Na cozinha podíamos provar a comida, já a bebida é proibido o consumo em serviço. Porém, assim que todos os convidados foram embora da sala, havia várias garrafas de excelentes vinhos e champanhes praticamente cheias. Meus amigos espanhóis e eu nos trancamos em uma para “arrumá-la” e fizemos até degustação de Moet com queijo de cabra e geleia de frutas silvestres.

E nisso começa a formar um círculo ~virtuoso~.  Quanto mais você trabalha, mais conhece pessoas, mais contatos faz e mais oportunidades aparecem. E já na segunda semana nesse trabalho arrumei uma vaga de auxiliar de cozinha. No meu pensamento seria uma ótima oportunidade para ampliar meus dotes culinários. Só que auxiliar de cozinha é um eufemismo para piloto de louça.

Cheguei ao restaurante e tinha uma pilha pra lavar. Cozinhar não era nem 95% do meu tempo. Depois de enfiar a mão em ralinho cheio de comida, perder controle do esguicho de água e resto de comida parar na cara, em duas horas já estava dando conta e pedindo para o Chef me ensinar alguns pratos. Pela minha boa vontade, ele sempre me oferece para provar algo diferente e já tenho preparado alguns pratos. Culinária árabe em breve será parte do meu currículo pessoal. E o mais importante, mais uma fonte de renda.

O meu terceiro trampo foi novamente uma tentativa de trabalhar em obra. Mais especificamente em arrumar a bagunça de fim de obra e alguma coisa de carpintaria. Nunca tinha usado um serrote e depois de furar a perna e cortar algumas madeiras tortas, adquiri mais essa habilidade. Estava feliz com esse trampo, mas no último dia tive que carregar uns 80kg de ardósia pra lá e pra cá e novamente minha coluna foi pro saco novamente. Agora estou tomando cuidado, pois não seria muito inteligente fazer toda reserva pra depois gastar com fisio.

Bom, como eu disse a questão financeira estava finalmente resolvida e agora eu precisava resolver meu segundo problema/objetivo de curto prazo, moradia. Estou em uma homestay que estava bacana até primeiro mês, mas agora começou a dar sinais de saturação.

Quando cheguei aqui fui convidado para vários jantares que os vizinhos organizavam uma vez por semana. Era uma excelente oportunidade para fazer amizade e treinar o inglês. Porém, em um desses jantares a mulher de um dos convidados deu em cima de mim de forma abusiva e desrespeitosa a ponto de perguntar para o dono da casa que estou se ele não tem ciúme de hospedar um brasileiro sensual. No final da noite, de volta pra casa, eles pediram desculpas por ela. Porém, eu nunca mais fui chamado para os jantares.

No segundo mês a minha individualidade começou a ser estuprada. Coisas como uma simples saída de casa ou ida ao banheiro eram monitoradas.

Minha agenda passou a ser controlada de uma forma velada, pior que a época que eu morava com a minha mãe. Se eu acordo mais cedo pra ir na academia ou chego mais tarde porque estava trabalhando, vem uma voz lá de cima da casa como se fosse um entidade perguntando “Cafa, é você? Está tudo bem?”. Caso eu consiga sair ou entrar em completo silêncio, no dia seguinte no café da manhã vem a pergunta “Nossa, não te vi chegar ontem. Você se divertiu?”.

Já o banheiro é o recinto que eu passo os principais dissabores.  Como eu disse anteriormente, não há tranca no banheiro. Logo, preciso ficar segurando a maçaneta. E parece que há uma sintonia entre eu ter vontade de fazer o número dois e alguém querer usar a porra do banheiro no mesmo momento. Não importa se as 6 da manhã ou 4 da tarde. Eu apenas fico em silêncio, seguro a maçaneta esperando que a pessoa perceba que sim, há alguém ali dentro, mas nunca é suficiente e vem a pergunta: “Tem alguém no banheiro?”. Com a minha resposta todo mundo sabe que estou lá, o que me trava.  Isso sem contar a tampa da privada que os filhos do casal sempre mijam e a minha toalha que sempre vai parar no chão (sujo) sem nenhum motivo aparente.

No outro dia foi o golpe de misericórdia. O banheiro possui uma janela grande e comprida que dá para uma espécie de jardim de inverno da casa. É relaxante.  Mas um dia estava apenas eu e a dona da casa em casa. Foi então que ela decidiu regar as plantas do jardim de inverno. A janela estava aberta, e não dava tempo de eu fechar, pois faria barulho e chamaria a atenção dela. Pelo ângulo da janela, não era possível ver o meu rosto, mas do meu pescoço pra baixo. Ainda assim algo vexaminoso. Pra não ser visto sentado no vaso, levantei e me encostei no canto do banheiro em uma tentativa frustrada de me esconder. Quando ela foi regar as plantas ao lado da janela, deve ter sido inevitável ver alguém de pé com o pirulito murcho de fora encostado no canto do banheiro. Ela deu um berro, saiu correndo pedindo desculpa e eu morri de vergonha por uma semana.

Depois de tanto perrengue, nessa semana finalmente eu fechei contrato para morar em um apartamento próximo à praia e que será dividido com pessoas da minha idade. Agora é partir para o próximo e maior desafio, encontrar trabalho na minha área.

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Gostaria de fazer um post nesse semana de “Rapidinhas”, ou seja, perguntas simples/curtas das leitoras. Só mandar para cafa@manualdocafajeste.com ou enviar nos comentários ou na mensagem privada do Facebook.